O movimento pelo Sufrágio feminino – Voto Feminino é
um movimento social, político e econômico de reforma, com o objetivo de
estender o sufrágio (o direito de votar) às mulheres. Participam do
sufrágio feminino, mulheres ou homens, denominados sufragistas.
Em 1893, a Nova Zelândia se tornou o
primeiro país a garantir o sufrágio feminino, graças ao movimento
liderado por Kate Sheppard.
Mitologia
Segundo Marco Terêncio Varrão, citado
por Agostinho de Hipona, as mulheres da Ática tinham o direito ao voto
na época do rei Cécrope I. Quando este rei fundou uma cidade, nela
brotaram uma oliveira e uma fonte de água. O rei perguntou ao oráculo de
Delfos o que isso queria dizer, e resposta é que a oliveira significava
Minerva e a fonte de água Netuno, e que os cidadãos deveriam escolher
entre os dois qual seria o nome da cidade. Todos os cidadãos foram
convocados a votar, homens e mulheres; os homens votaram em Netuno, as
mulheres em Minerva, e Minerva (em grego, Atena) venceu por um voto.
Netuno ficou irritado, e atacou a cidade com as ondas. Para apaziguar o
deus (que Agostinho chama de demônio), as mulheres de Atenas aceitaram
três castigos: que elas perderiam o direito ao voto, que nenhum filho
teria o nome da mãe e que ninguém as chamaria de atenienses.
Leia tbm sobre o Sufrágio Universal
Histórico
Em que pese o fato de as primeiras
feministas terem encontrado nos ideais democráticos de inspiração
iluminista – igualdade e liberdade, representados mais diretamente pelo
direito à participação na vida política e por leis que promovam uma
justiça mais equânime – o campo propício para suas reivindicações, o
cerne das referências filosóficas que embasam os ideais democráticos –
representadas por pensadores como John Locke, Jean-Jacques Rousseau e
Jeremy Bentham – estava já impregnado de conceitos que excluíam a mulher
de uma participação mais ativa na condução da sociedade. Um forte
exemplo disso é o direito ao voto, que já na Grécia Antiga, em pleno
nascedouro da democracia ateniense, era vetado para as mulheres.
A luta pelo voto feminino foi sempre o
primeiro passo a ser alcançado no horizonte das feministas da era
pós-Revolução Industrial. As “suffragettes” (em português, sufragistas),
primeiras ativistas do feminismo no século XIX, eram assim conhecidas
justamente por terem iniciado um movimento no Reino Unido a favor da
concessão, às mulheres, do direito ao voto. O seu início deu-se em 1897,
com a fundação da União Nacional pelo Sufrágio Feminino por Millicent
Fawcett (1847-1929), uma educadora britânica. O movimento das
sufragistas, que inicialmente era pacífico, questionava o fato de as
mulheres do final daquele século serem consideradas capazes de assumir
postos de importância na sociedade inglesa como, por exemplo, o corpo
diretivo das escolas e o trabalho de educadoras em geral, mas serem
vistas com desconfiança como possíveis eleitoras. As leis do Reino Unido
eram, afinal, aplicáveis às mulheres, mas elas não eram consultadas ou
convidadas a participar de seu processo de elaboração.
Ainda que obtendo um limitado sucesso em
sua empreitada – a conversão de alguns membros do então embrionário
Partido Trabalhista Britânico para a causa dos direitos das mulheres é
um exemplo -, a maioria dos parlamentares daquele país acreditava, ainda
respaldados nas idéias de filósofos britânicos como John Locke e David
Hume, que as mulheres eram incapazes de compreender o funcionamento do
Parlamento Britânico e, por conseguinte, não podiam tomar parte no
processo eleitoral.
O movimento feminino ganhou, então, as
ruas e suas ativistas passaram então a ser conhecidas pela sociedade em
geral pelo (à época, ofensivo) epíteto de “sufragistas”, sobretudo
aquelas vinculadas à União Social e Política das Mulheres (Women’s
Social and Political Union – WSPU) movimento que pretendeu revelar o
sexismo institucional na sociedade britânica, fundado por Emmeline
Pankhurst (1858-1928). Após ser detida repetidas vezes com base na lei
“Cat and Mouse”, por infrações triviais, inspirou membros do grupo a
fazer greves de fome. Ao serem alimentadas à força e ficarem doentes,
chamaram a atenção da opinião pública pela brutalidade do sistema legal
na época e também divulgaram a sua causa. Ela foi uma militante que
imprimiu um estilo mais enérgico ao movimento, o qual culminou com
situações de confronto entre sufragistas e policiais e, finalmente, com a
morte de uma manifestante, Emily Wilding Davison (1872-1913), que se
atirou à frente do cavalo do rei da Inglaterra no célebre Derby de 1913,
tornando-se a primeira mártir do movimento.
Mesmo que tenha causado grande comoção o
movimento pelo voto feminino na Inglaterra da década de 1910, as ações
de protesto empreendidas pelas sufragistas, contudo, apenas vieram a
obter um parcial sucesso com a aprovação do Representation of the People
Act de 1918, o qual estabeleceu o voto feminino no Reino Unido – em
grande parte, dizem alguns historiadores, motivado pela atuação do
movimento das sufragistas na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), já que
as sufragistas deixaram as ruas e assumiram importante papel nos
esforços de guerra.
A lei britânica de 1918 deu forças a
mulheres de diversos outros países para que buscassem seus direitos ao
voto, que as primeiras feministas consideravam de importância maior que
outras questões referentes à situação feminina justamente por
acreditarem que, pelo voto, as mulheres seriam capazes de solucionar
problemas causados por leis injustas que lhes vetavam o acesso ao
trabalho e à propriedade, por exemplo. Habilitando-se ao sufrágio, as
mulheres passariam a ser também elegíveis e assim, pensavam as
feministas, poderiam concorrer de igual para igual com os homens por
cargos eletivos.
Por mais que a opressão sobre as
mulheres seja ainda uma cruel realidade, elas têm direito ao voto e à
participação política ampla na maioria dos países. Em países como o
Kuwait, por exemplo, existem movimentos que reproduzem as mesmas lutas
das sufragistas do século XIX, na tentativa de forçar o governo daquele
país a mudar sua legislação eleitoral e adotar o voto universal em pleno
século XXI.
O voto feminino em Portugal
O sufrágio feminino em Portugal
acompanhou, de certa forma, o fenómeno civilizacional do ocidente
liberal judaico-cristão. À imagem do que se passava noutros países, o
debate em volta do sufrágio feminino passou a fazer parte da agenda
política nacional, com mais frequência a partir de 1892, data em que o
primeiro país – a Nova Zelândia – deu o primeiro passo nesse sentido. A
28 de Maio de 1911, Carolina Beatriz Ângelo, médica, viúva e “chefe de
família”, aproveitando um lapso do legislador, participou nas eleições
para a Assembleia Constituinte. A lei em vigor referia que podiam votar
os “cidadãos portugueses com mais de 21 anos, que soubessem ler e
escrever e fossem chefes de família”. Carolina Beatriz Ângela invocou a
sua qualidade de chefe de família alfabetizada, no entanto o pedido
foi-lhe negado pelo ministro António José de Almeida.
Carolina Ângelo
interpôs recurso e o juiz João Baptista de Castro, pai de Ana Castro
Osório, deferiu a sua pretensão com a seguinte fundamentação: Excluir a
mulher (…) só por ser mulher (…) é simplesmente absurdo e iníquo e em
oposição com as próprias ideias da democracia e justiça proclamadas pelo
partido republicano. (…) Onde a lei não distingue, não pode o julgador
distinguir (…) e mando que a reclamante seja incluída no recenseamento
eleitoral. Este episódio gerou grande controvérsia na época. Dada a
aproximação dos republicanos com o movimento feminista do início do séc.
XX2 , Carolina Ângelo terá aproveitado o facto de se tratar das
primeiras eleições republicanas para exercer a sua luta política pelo
direito de voto das mulheres. No entanto o Governo rapidamente se
apressou a clarificar a sua posição nesta matéria, tendo vedado
expressamente o voto às mulheres, pela Lei nº 3 de 3 de Julho, do ano de
1913:
São eleitores dos cargos políticos e
administrativos todos os cidadãos portugueses do sexo masculino, maiores
de 21 anos, ou que completem essa idade até ao termo das operações de
recenseamento, que estejam no gozo dos seus direitos civis e políticos,
saibam ler e escrever português e residam no território da República
Portuguesa.
Porque se teriam oposto os republicanos
ao voto por parte da mulher, quando ambos os movimentos políticos (o
republicanismo e o feminismo) eram (e são) ideologicamente tão próximos4
? A explicação desta recusa é encontrada no anticlericalismo que
caracterizava o movimento republicano aliado ao estigma da mulher, vista
na época como reaccionária, religiosa e influenciável. Havia, neste
contexto, claro receio da influência dos padres nas decisões políticas
das mulheres, como bem ilustram estes dois recortes dos debates
parlamentares:
No dia em que este assunto foi discutido
na comissão, tinha eu passado pela igreja de S. Mamede, donde vi sair
centenas de senhoras que ali tinham ido entreter os seus ócios e
ilustrar o espírito na prática do mês de Maria. O voto concedido a
mulheres nestas condições, vivendo sob a influência do clericalismo,
seria o predomínio dos padres, dos sacristães, numa palavra, dos
reacionários.
Diário do Senado: Legislatura:1; Secção legislativa:; Número:121; Página:18; Data:24/06/1912
Sr Martins Cardoso: (…) Quanto ao outro
ponto, que tam debatido tem sido, e que diz respeito ao sufrágio das
mulheres, as razoes que eu apresentei tem uma grande forca, porque no
nosso país a diferença entre a situação do homem e da mulher é palpável,
e, ainda nesta diferença de opiniões, eu pregunto se a mulher assim
preparada se pode comparar ao homem? Seria um erro; mais ainda — uma
temeridade — senos considerássemos um facto recente dos últimos tempos
da monarquia. Sabemos que o culto jesuítico, nos últimos anos, se
exercia por tal forma, que constituía um perigo para o país, tendo sido
uma das causas principais da queda da monarquia. Esses reaccionários
espalhando-se pelas aldeias e vivendo sempre em contacto com a gente do
campo, desenvolvia numa acção de que resultava o seguinte: não sendo o
povo fanático, o padre no emtanto sugestionava facilmente as mulheres
que, tem fundamente radicado o sentimento religioso.Nestas condições
pregunto Apodemos nós garantir à mulher o voto? E como se há-de resolver
a dificuldade que resulta deste perigo para a República? Seja-me
permitido dizer que isto é uma utopia; isso é viver na lua! (Apoiados)
(…)
Diário do Senado: Legislatura:1; Secção legislativa:2; Número:130; Página:11; Data:02/07/1912
A I República nunca chega a reconhecer a
capacidade electiva às mulheres. Vai ser ao longo do período histórico
português sequente – Ditadura Militar e Estado Novo – que o paradigma se
vai alterar profundamente.
O voto é concedido, pela primeira vez – embora com limitações – no ano de 1931, pelo decreto 19 692, de 05 de Maio:
Artigo 1.º Os vogais das juntas de
freguesia são eleitos pelos cidadãos portugueses de um e de outro sexo,
com responsabilidade de chefes de família, domiciliados na freguesia há
mais de seis meses. § 1.º Têm responsabilidade de chefes de família para
os efeitos do corpo deste artigo:
1.º Os cidadãos portugueses do sexo
masculino com família constituída, se não tiverem comunhão de mesa e
habitação com a família dos seus parentes até o terceiro grau da linha
recta colateral, por consanguinidade ou afinidade;
2.º As mulheres
portuguesas, viúvas, divorciadas ou judicialmente separadas de pessoas e
bens com família própria e as casadas cujos maridos estejam ausentes
nas colónias ou no estrangeiro, umas e outras se não estiverem
abrangidas na última parte do número anterior. (…)
Art. 2.º Os vogais
das câmaras municipais são eleitos na proporção a estabelecer no Código
Eleitoral: (…) 5.º Pelos cidadãos portugueses do sexo feminino, maiores
de vinte e um anos, com curso secundário ou superior comprovado pelo
diploma respectivo, domiciliados no concelho há mais de seis meses.
O decreto n.º 23 406, de 27 de Dezembro
de 1933 acrescenta a possibilidade de voto à mulher solteira, maior ou
emancipada, quando de reconhecida idoneidade moral, que viva
inteiramente sobre si e tenha a seu cargo ascendentes, descendentes ou
colaterais.
No ano de 1946 este direito vem a ser
estendido às eleições legislativas e presidenciais pela publicação da
Lei n.º 2 015, de 28 de Maio. Apesar de tudo as condicionantes ainda são
muito restritivas:
Artigo 1.º São eleitores do Presidente
da República e da Assembleia Nacional:
1.º Os cidadãos portugueses do
sexo masculino, maiores ou emancipados, que saibam ler e escrever
português;
2.º Os cidadãos portugueses do sexo masculino, maiores ou
emancipados, que, embora não saibam ler e escrever, paguem ao Estado e
corpos administrativos quantia não inferior a 100$, por algum ou alguns
dos seguintes impostos: contribuição predial, contribuição industrial,
imposto profissional e imposto sobre aplicação de capitais;
3.º Os
cidadãos portugueses do sexo feminino, maiores ou emancipados, com as
seguintes habilitações mínimas: a) Curso geral dos liceus; b) Curso do
magistério primário; c) Curso das escolas de belas-artes; d) Cursos do
Conservatório Nacional ou do Conservatório de Música do Porto; e) Cursos
dos institutos industriais e comerciais.
4.º Os cidadãos portugueses do
sexo feminino, maiores ou emancipados, que, sendo chefes de família,
estejam nas demais condições fixadas nos n.ºs 1.º ou 2.º;
5.º Os
cidadãos portugueses do sexo feminino que, sendo casados, saibam ler e
escrever português e paguem de contribuição predial, por bens próprios
ou comuns, quantia não inferior a 200$.
No dia 26 de Dezembro de 1968 é
publicada a Lei n.º 2137, que vem finalmente remover qualquer
discriminação em função do sexo. O diploma legal não faz a distinção
entre “cidadãos portugueses do sexo masculino” e “cidadãos portugueses
do sexo feminino”. Do voto são apenas excluídos os cidadãos que não
saibam ler e escrever e nunca tenham sido recenseados ao abrigo da Lei
n.º 2015, de 28 de Maio de 1946:
Base I – São eleitores da Assembleia
Nacional todos os cidadãos portugueses, maiores ou emancipados, que
saibam ler e escrever e não estejam abrangidos por qualquer das
incapacidades previstas na lei; e os que, embora não saibam ler nem
escrever português, tenham já sido alguma vez recenseados ao abrigo da
Lei n.º 2015, de 28 de Maio de 1946, desde que satisfaçam aos requisitos
nela fixados.
Após o golpe de Estado de 25 de Abril de
1974 assistimos a uma alteração política e social. No dia 14 de Maio
desse ano é publicada a Lei n.º 621-A/74. O art. 1.º, com a epígrafe
“capacidade eleitoral activa”, preceituava o seguinte: São eleitores da
Assembleia Constituinte os cidadãos portugueses de ambos os sexos,
maiores de 18 anos, completados até 28 de Fevereiro de 1975, residentes
no território eleitoral ou nos territórios ultramarinos ainda sob
administração portuguesa, assim como os aí não residentes indicados no
presente diploma.
Em abono da verdade, o diploma não
oferecia qualquer novidade no que concerne ao voto das mulheres, quando
comparada com a Lei n.º 2137, de 26 de Dezembro de 1968: o diploma
circunscrevia-se à eleição para a Assembleia Constituinte.
No dia 2 de Abril de 1976 foi publicada a
nova Constituição da República Portuguesa. O n.º 2, do art. 48.º
prescrevia que O sufrágio é universal, igual e secreto e reconhecido a
todos os cidadãos maiores de 18 anos, ressalvadas as incapacidades da
lei geral, e o seu exercício é pessoal e constitui um dever cívico. Este
preceito teve expressão na Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro (Lei de
Recenseamento Eleitoral). O art. 1.º dispunha o seguinte: O
recenseamento eleitoral é oficioso, obrigatório e único para todas as
eleições por sufrágio directo e universal.
Com a entrada em vigor deste diploma
legal, ficou finalmente eliminada toda e qualquer discriminação, já que o
âmbito de aplicação englobava, não só o sufrágio para a Assembleia da
República, como para todas as eleições, inclusive para os órgãos das
autarquias locais.
O voto feminino no Brasil
A luta mundial dos movimentos feministas
inclui em seus registros o nome da cidade de Mossoró, no estado do Rio
Grande do Norte. Em 1928, esse estado nordestino era governado por
Juvenal Lamartine, a quem coube o pioneirismo de autorizar o voto da
mulher em eleições, o que não era permitido no Brasil, mesmo a proibição
não constando da Constituição Federal. A Inglaterra alguns meses depois
regularizou o voto feminino no mesmo ano.
No Consultor Jurídico do jornal “O
Estado de São Paulo”, encontra-se a informação de que logo após a
proclamação da República, o governo provisório convocou eleições para
uma Assembléia Constituinte. Na ocasião, uma mulher conseguiu o
alistamento eleitoral invocando a legislação imperial, a “Lei Saraiva”,
promulgada em 1881, que determinava direito de voto a qualquer cidadão
que tivesse uma renda mínima de 2 mil réis. Mas a primeira eleitora do
país foi a potiguar Celina Guimarães Viana, que invocou o artigo 17 da
lei eleitoral do Rio Grande do Norte, de 1926:
“No Rio Grande do Norte,
poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos
que reunirem as condições exigidas por lei”. Em 25 de novembro de 1927
ela deu entrada numa petição requerendo sua inclusão no rol de eleitores
do município. O juiz Israel Ferreira Nunes deu parecer favorável e
enviou telegrama ao presidente do Senado Federal, pedindo em nome da
mulher brasileira, a aprovação do projeto que instituía o voto feminino,
amparando seus direitos políticos reconhecidos na Constituição
Federal”.
Após Celina Guimarães Viana ter
conseguido seu título eleitoral, um grande movimento nacional levou
mulheres de diversas cidades do Rio Grande do Norte, e de mais outros
nove estados da Federação, a fazerem a mesma coisa.
Cumpre citar igualmente o pioneirismo da
estudante de direito mineira, Mietta Santiago (pseudônimo de Maria
Ernestina Carneiro Santiago Manso Pereira). Mineira educada na Europa,
com 20 anos retornou do velho mundo e descobriu, em 1928, que o veto ao
voto das mulheres contrariava o artigo 70 da Constituição Brasileira de
24 de fevereiro 1891, então em vigor. Com garantia de sentença judicial
(fato inédito no país), proferida em Mandado de Segurança, conquistou o
direito de votar. O que de fato fez, votando em si mesma para uma vaga
de deputada federal. Carlos Drummond de Andrade, impressionado com a
conquista do voto feminino, dedicou a Mietta o poema
“Mulher Eleitora”:
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Mietta Santiago
loura poeta bacharel
Conquista, por sentença de Juiz,
direito de votar e ser votada
para vereador, deputado, senador,
e até Presidente da República,
Mulher votando?
Mulher, quem sabe, Chefe da Nação?
O escândalo abafa a Mantiqueira,
faz tremerem os trilhos da Central
e acende no Bairro dos Funcionários,
melhor: na cidade inteira funcionária,
a suspeita de que Minas endoidece,
já endoideceu: o mundo acaba”.
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—
loura poeta bacharel
Conquista, por sentença de Juiz,
direito de votar e ser votada
para vereador, deputado, senador,
e até Presidente da República,
Mulher votando?
Mulher, quem sabe, Chefe da Nação?
O escândalo abafa a Mantiqueira,
faz tremerem os trilhos da Central
e acende no Bairro dos Funcionários,
melhor: na cidade inteira funcionária,
a suspeita de que Minas endoidece,
já endoideceu: o mundo acaba”.
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—
A “Revista Feminina” de São Paulo, julho
de 1926, número 146, ano XIII, traz sob o título ‘Poetisas mineiras da
moderna geração’ um registro do episódio, redigido por Djalma Andrade:
“Mietta Santiago… …defendido teses arrojadas de Direito Constitucional. É
feminista. Há tempos, raiou brilhantemente o direito de voto às
mulheres”.
Com a mulher eleitora, vieram outras
conquistas de espaço na sociedade. Veio a primeira mulher a eleger-se
deputada estadual no Brasil, e a luta pela emancipação feminina foi
ganhando impulso em todo o país, levando o voto feminino a ser
regulamentado em 1934 no governo Vargas. O episódio tem importância
mundial, pois mais de uma centena de países ainda não permitia à mulher o
direito de voto.
Os primeiros exemplos de organização de
mulheres nos vieram das regiões norte e nordeste, no final do século
XIX, e eram voltados para a causa abolicionista. Nascida no Ceará, em
1882, a “Sociedade das Senhoras Libertadoras ou Cearenses Libertadoras”,
presidida por Maria Tomásia Figueira, em parceria com Maria Correia do
Amaral e Elvira Pinho, atuou em defesa da liberdade fundando associações
em Fortaleza e no interior do estado, contribuindo para que, em 1884, a
Assembléia Legislativa provincial, finalmente, decretasse o fim da
escravidão no Ceará. Nesse mesmo ano, foi criada, na cidade de Manaus, a
associação “Amazonenses Libertadoras”, fundada por Elisa de Faria
Souto, Olímpia Fonseca, Filomena Amorim, entre outras – todas brancas e
representantes da elite local. Contudo, elas defendiam a emancipação de
todos os escravos do solo amazonense, o que aconteceu, em 30 de março de
1887, um ano antes da Lei Áurea.
Em 1910 Leolinda Daltro e outras
feministas, entre elas a escritora Gilka Machado, fundaram, na então
capital federal, o Partido Republicano Feminino, cujo objetivo era
“promover a cooperação entre as mulheres na defesa de causas que
fomentassem o progresso do país”. O objetivo maior da agremiação era a
luta pelo sufrágio feminino, uma vez que as mulheres não podiam votar e
nem ser votadas. Esse grupo de feministas adotou uma linguagem política
de exposição pessoal diante de críticas da sociedade, realizando
manifestações públicas que não foram tratadas com indiferença pela
imprensa e os leitores. O Partido Republicano Feminista teve o mérito
inegável de lançar, no debate público, o pleito das mulheres pela ampla
cidadania.
Em 1917, a agitação social das greves
operárias, o movimento anarquista, o fim da primeira guerra mundial, e a
maior escolaridade de mulheres da elite, trouxeram à tona uma outra
geração de feministas. No ano de 1920, surgiram vários grupos
intitulados Ligas para o Progresso Feminino, embrião da poderosa
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Fundada em 1922 e dirigida
por Bertha Lutz, a Federação teve papel fundamental na conquista do
sufrágio feminino e, por extensão, na luta pelos direitos políticos da
mulher, e destacou-se, também, como organização feminista com maior
inserção nas esferas de poder da época. Suas militantes escreveram na
imprensa, organizaram congressos, articularam com políticos, lançaram
candidaturas, distribuíram panfletos em aviões, representaram o Brasil
no exterior.
Laura Brandão e Maria Lopes integravam o
“Comitê das Mulheres Trabalhadoras”, fazendo propaganda em porta de
fábricas e tentando aproximar o operariado feminino e o Partido
Comunista Brasileiro. A sufragista gaúcha Natércia da Silveira,
dissidente da “Federação Brasileira pelo Progresso Feminino”, fundou em
1931 a “Aliança Nacional de Mulheres”, para prestar assistência jurídica
à mulher. Com 3 mil filiadas, a Aliança foi fechada pelo golpe de 1937,
que aboliu as liberdades democráticas e abortou as organizações
políticas e sociais do país.
No plano nacional, o Presidente Getúlio
Vargas resolve simplificar e todas as restrições às mulheres são
suprimidas. Através do Decreto nº. 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, é
instituído o Código Eleitoral Brasileiro, e o artigo 2 disciplinava que
era eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado
na forma do código. É de ressaltar que as disposições transitórias, no
artigo 121, dispunham que os homens com mais de 60 anos e as mulheres em
qualquer idade podiam se isentar de qualquer obrigação ou serviço de
natureza eleitoral. Logo, não havia obrigatoriedade do voto feminino.